Sentir dor no calcanhar pode parecer algo pontual, resultado de um dia mais puxado, da falta de costume com a corrida ou de um treino mais intenso. Mas para muitos corredores iniciantes, esse incômodo acaba se tornando frequente e limitante. A prática da corrida, embora extremamente benéfica para o corpo e a mente, exige atenção a detalhes que, quando negligenciados, podem cobrar um preço alto — como o surgimento de lesões dolorosas e persistentes.
Um exemplo é o esporão do calcâneo, condição que pode se desenvolver silenciosamente e causar dor intensa a cada passo. E, embora muitos pensem que essa lesão está ligada apenas ao esforço físico, a escolha do calçado tem papel central na sua prevenção — ou no agravamento do problema.
A dor no calcanhar: um alerta silencioso para quem está começando
A dor no calcanhar é um dos desconfortos mais comuns entre corredores, especialmente entre os que estão começando e ainda não têm total domínio sobre os cuidados com o corpo durante a prática esportiva. Esse tipo de dor geralmente se apresenta de forma localizada, mais intensa ao acordar ou após os treinos, e pode irradiar para o meio do pé. Quando se torna frequente ou incapacitante, é preciso investigar a fundo — e, na maioria das vezes, o calçado entra nessa equação como fator determinante.
Esse tipo de dor pode impactar até mesmo atividades simples do dia a dia, como caminhar ao acordar ou ficar de pé por longos períodos. E quando se prolonga compromete não só o desempenho esportivo, mas também a motivação do corredor iniciante, que muitas vezes associa a dor à incapacidade de evoluir no esporte.
O que é o esporão do calcâneo e por que ele surge?
O esporão do calcâneo é um crescimento ósseo anormal na parte inferior do osso do calcanhar. Ele surge quando há uma tração contínua na fáscia plantar — tecido que liga o calcanhar aos dedos dos pés —, provocando microlesões repetitivas que o corpo tenta “reparar” com o depósito cálcio na região. O resultado é essa saliência óssea, que, embora nem sempre cause dor, pode se tornar extremamente incômoda em certas condições.
Entre os principais fatores que contribuem para o surgimento do esporão estão:
Excesso de peso, que aumenta a pressão sobre os pés;
Aumento súbito na intensidade ou duração dos treinos;
Pisada inadequada (como a pronação excessiva);
Uso de calçados com pouca absorção de impacto ou sem o suporte adequado para o arco plantar;
Permanência prolongada em pé em superfícies duras.
É justamente aí que o tênis entra em cena: um modelo inadequado pode desencadear ou agravar o processo inflamatório que leva à formação do esporão.
Esporão x fascite plantar: entenda as diferenças
Muita gente confunde o esporão do calcâneo com a fascite plantar, e não é por acaso: ambas as condições estão relacionadas à mesma região do pé e, muitas vezes, compartilham sintomas semelhantes — como dor na sola do pé, especialmente ao acordar ou após ficar muito tempo em pé. Além disso, 45 a 85% das pessoas possuem os dois. No entanto, são problemas distintos, e entender essa diferença é essencial para tratar e prevenir corretamente.
A fascite plantar é uma inflamação na fáscia plantar — uma faixa de tecido conjuntivo fibroso que liga o calcanhar aos dedos do pé e ajuda a sustentar o arco plantar. Quando essa estrutura é sobrecarregada por esforço repetitivo, excesso de peso, calçados inadequados ou falta de alongamento, pode inflamar e causar dor intensa na região inferior do calcanhar, principalmente nos primeiros passos do dia. Essa lesão está entre as mais comuns em praticantes de corrida de rua: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUBD-9ENGFS/1/influ_ncia_dos_cal_ados_e_das_palmilhas_biomec_nicas_na_preven__o_de__les_es.pdf
Já o esporão do calcâneo é uma consequência dessa tração constante sobre a fáscia plantar. O corpo, ao tentar se proteger das microlesões frequentes, deposita cálcio na região do calcanhar, formando uma saliência óssea visível em exames de imagem. Ou seja, o esporão é uma adaptação óssea provocada por estímulos repetidos, e nem sempre é doloroso — a dor costuma surgir quando há inflamação nos tecidos ao redor. Ocorre em 10 a 15% da população mundial e é mais frequente em indivíduos do sexo masculino: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/7945/1/Trabalho%20de%20conclus%c3%a3o%20de%20curso-%20Luana%20Biguelini%20Porsch.pdf
Em resumo:
Fascite plantar = inflamação no tecido da planta do pé.
Esporão do calcâneo = formação óssea no calcanhar, geralmente causada por inflamação crônica da fáscia.
Um pode existir sem o outro, mas é comum que apareçam juntos. E em ambos os casos, a escolha do tênis certo desempenha um papel fundamental na prevenção, no alívio da dor e na recuperação.
Tênis inadequado: vilão silencioso no surgimento do esporão
Nem todo tênis esportivo está preparado para o impacto da corrida, e muito menos para as necessidades específicas de cada tipo de pisada ou biotipo. Um calçado sem o devido amortecimento, por exemplo, transfere diretamente ao calcanhar o impacto gerado a cada passo, sobrecarregando a fáscia plantar.
Outro problema recorrente é o uso de tênis com entressola desgastada. A entressola (espuma que fica entre a palmilha e o solado) é responsável por absorver o impacto e oferecer retorno de energia. Quando ela perde suas propriedades, o calcanhar passa a sofrer mais com o atrito e a pressão.
Além disso, calçados com drop muito baixo (diferença de altura entre o calcanhar e o antepé) ou com solado excessivamente rígido podem aumentar a tensão na fáscia plantar, especialmente em corredores que estão começando e ainda não desenvolveram uma mecânica de corrida eficiente.
Muitos iniciantes também cometem o erro de escolher o tênis apenas pela estética ou por estar “na moda”. Modelos voltados para caminhada, musculação ou uso casual, por exemplo, não oferecem o mesmo suporte biomecânico que um tênis de corrida foi projetado para entregar.
Ou seja: o tênis pode ser o suporte que protege seus pés ou o gatilho que desencadeia uma lesão. Tudo depende da escolha.
O que observar no tênis ideal para quem sente dor no calcanhar?
Escolher o tênis certo exige mais do que apenas calçar e dar alguns passos na loja. Para quem sofre com dor no calcanhar ou busca evitar o esporão, alguns pontos devem ser considerados com atenção redobrada:
Amortecimento na região do calcanhar
Tênis com boa capacidade de absorção de impacto reduzem a pressão sobre a fáscia plantar e aliviam a sobrecarga na região do calcanhar. Espumas como EVA, gel, ar ou tecnologias mais modernas como o ZoomX, Boost e Fresh Foam são excelentes opções para oferecer conforto e proteção.
Drop mais elevado
Modelos com drop entre 8 mm e 12 mm ajudam a deslocar a tensão do calcanhar para o antepé, diminuindo o impacto direto sobre a região inflamada. Essa característica pode fazer grande diferença para quem está em fase inicial da corrida.
Solado flexível, mas com estabilidade
Um bom tênis deve permitir a movimentação natural dos pés, mas sem comprometer a estabilidade. A rigidez excessiva pode aumentar o desconforto e limitar o amortecimento, enquanto a instabilidade pode causar pisadas incorretas.
Contraforte firme
O contraforte (estrutura na parte de trás do tênis, que envolve o calcanhar) deve ser rígido o suficiente para manter o calcanhar firme, evitando movimentos laterais que agravem a inflamação. Essa característica é fundamental para corredores com pisada pronada.
Palmilha de qualidade
Embora muitas palmilhas de fábrica sejam básicas, algumas marcas já investem em modelos anatômicos que oferecem maior suporte ao arco plantar e acolchoamento na região do calcanhar. Caso necessário, o uso de palmilhas ortopédicas personalizadas pode ser indicado.
Ajuste ideal ao pé
Um tênis muito apertado pode gerar pontos de pressão, enquanto um modelo largo demais pode causar instabilidade. Ambos comprometem a biomecânica natural da corrida. O ideal é experimentar o calçado no final do dia, quando os pés estão levemente inchados — simulando as condições reais de uso.
Quando trocar o tênis pode ser a chave para o alívio
Muitos corredores iniciantes mantêm o mesmo par de tênis por meses (ou anos) sem perceber que o desempenho do calçado caiu drasticamente. O desgaste da entressola, da sola e do suporte interno pode passar despercebido visualmente, mas tem grande impacto na proteção oferecida.
Um tênis de corrida, em geral, tem uma vida útil entre 500 e 800 km. Após esse período, mesmo que pareça em bom estado, ele pode ter perdido a maior parte da capacidade de absorver impacto. Continuar usando o mesmo par além desse limite é aumentar consideravelmente o risco de lesões.
Sinais de que está na hora de trocar o tênis incluem:
Perda de firmeza na pisada;
Desgaste visível na sola;
Desconforto crescente durante ou após os treinos;
Aparência “amassada” na entressola;
Aumento de dores musculares ou articulares sem motivo aparente.
Trocar o tênis no momento certo é mais do que um investimento em conforto — é uma decisão estratégica para a saúde dos pés.
O que mais pode ajudar, além do tênis?
Embora o calçado adequado seja fundamental, ele não atua sozinho na prevenção de dores no calcanhar e do esporão. Há outros cuidados que complementam a proteção e reduzem os riscos, como:
Alongamento e fortalecimento
Alongar a fáscia plantar, a panturrilha e os músculos do pé ajuda a aliviar a tensão sobre o calcanhar. Exercícios simples, feitos regularmente, podem melhorar a flexibilidade e a resistência dos tecidos envolvidos. Rolos de liberação miofascial e bolas de massagem também são aliados importantes nesse processo.
Palmilhas personalizadas
Para casos específicos, como alterações na pisada ou no arco do pé, o uso de palmilhas sob medida pode oferecer um suporte adicional. Elas distribuem melhor a pressão e reduzem a sobrecarga em pontos sensíveis.
Evitar aumento brusco no volume de treinos
O corpo precisa de tempo para se adaptar à corrida. Aumentar o volume ou a intensidade dos treinos de forma abrupta favorece microlesões e inflamações. O ideal é seguir uma progressão gradual, respeitando os limites do corpo.
Avaliação com profissional de saúde
Se a dor no calcanhar persistir, mesmo com a troca do calçado e cuidados complementares, o ideal é buscar avaliação médica. Ortopedistas e fisioterapeutas podem ajudar a identificar a causa da dor e sugerir tratamentos adequados, como fisioterapia ou o uso de órteses.
Correr com leveza começa nos pés
A corrida é uma jornada de autoconhecimento. Cada passo revela algo sobre o corpo, seus limites e suas necessidades. Para o corredor iniciante, entender a importância de um tênis adequado pode ser o divisor de águas entre um percurso cheio de dores e outro leve, prazeroso e contínuo.
A dor no calcanhar, embora comum, não deve ser normalizada. Ela é um sinal de que algo precisa ser ajustado. E, muitas vezes, esse ajuste começa pelos pés — mais precisamente, pela escolha do calçado.
Um bom tênis não é apenas um acessório: é um instrumento de proteção, performance e longevidade na corrida. Ele respeita a biomecânica do corpo, absorve o impacto da jornada e devolve conforto a cada pisada. Escolher bem é investir na própria saúde e garantir que o prazer de correr não seja interrompido por dores evitáveis.
Então, se o calcanhar começou a reclamar, talvez seja hora de ouvir com mais atenção. Porque quando os pés reclamam, o corpo inteiro sofre. E quando você responde com cuidado e prevenção, o caminho à frente se torna mais leve — e muito mais promissor.
Você já teve alguma dor no calcanhar? Precisou ir ao médico ou conseguiu resolver de outra forma? O tênis teve papel na piora ou melhora do problema? Conta pra nós!