A corrida é uma das atividades físicas mais praticadas no mundo, promovendo benefícios para o corpo e a mente. Contudo, sem os cuidados adequados, esse esporte pode ser acompanhado por dores e lesões, especialmente para aqueles que estão apenas começando ou não prestam atenção a detalhes importantes, como o tênis utilizado durante os treinos. Problemas como tendinite, fascite plantar (leia nosso artigo Como o tênis adequado pode prevenir a fascite plantar nos corredores iniciantes) e dores nas articulações estão frequentemente relacionados a escolhas inadequadas de calçados.
O tênis certo é muito mais do que uma peça de vestuário esportivo. Ele é um aliado essencial para a saúde do corredor, influenciando diretamente a biomecânica, a absorção de impacto e o suporte do corpo durante a atividade. Este artigo explora como o calçado pode prevenir ou agravar tendinites e outras lesões comuns, além de oferecer dicas para escolher o modelo ideal.
O que é a tendinite e como ela afeta os corredores?
A tendinite é uma inflamação ou irritação dos tendões, estruturas resistentes e fibrosas que conectam os músculos aos ossos. Essas estruturas são fundamentais para o movimento, pois transmitem a força gerada pelos músculos aos ossos, possibilitando a locomoção. Quando submetidos a esforço excessivo ou repetitivo — comum na prática da corrida — os tendões podem sofrer microlesões, levando ao processo inflamatório que caracteriza a tendinite.
No universo da corrida, a tendinite é considerada uma das lesões por esforço repetitivo mais frequentes, especialmente entre iniciantes ou pessoas que retomam os treinos após um longo período paradas. Isso acontece, muitas vezes, pela falta de adaptação do corpo ao novo estímulo ou pela ausência de preparação muscular adequada.
Entre os sintomas mais comuns da tendinite estão a dor localizada, sensibilidade ao toque, inchaço e, em alguns casos, sensação de rigidez ou crepitação (um leve estalo) ao movimentar a articulação. Em estágios iniciais, a dor pode ocorrer apenas após a corrida; mas com a progressão do quadro, pode se manifestar durante toda a atividade e até em repouso.
As regiões mais acometidas em corredores incluem:
Tendão de Aquiles:
Devido à função de absorver e devolver energia durante a propulsão, o tendão de Aquiles é constantemente exigido. Corridas com muita subida, treinos de velocidade e calçados inadequados podem ser gatilhos para a inflamação.
Tendão patelar:
Localizado abaixo da patela (rótula), esse tendão pode inflamar-se com o impacto repetitivo da corrida, principalmente em quem possui fraqueza muscular nos quadríceps ou desalinhamento no eixo do joelho.
Tendões tibiais:
São responsáveis por estabilizar o tornozelo e controlar a pronação do pé. Um calçado sem suporte adequado ou um tipo de pisada descompensada pode provocar sobrecarga nesses tendões.
Ignorar os sinais iniciais da tendinite é um erro comum. Muitos corredores continuam treinando, mesmo com dor leve, acreditando que ela desaparecerá sozinha. No entanto, sem o devido cuidado, a condição pode se agravar e evoluir para tendinose — uma degeneração crônica do tendão — ou até mesmo uma ruptura parcial ou total, exigindo longos períodos de recuperação.
Por isso, compreender o papel dos tendões na corrida e reconhecer os fatores que levam à sua inflamação é fundamental para prevenir lesões mais sérias e preservar o prazer de correr com segurança e longevidade.
Como o tênis pode influenciar as lesões?
O calçado é um dos principais pontos de contato entre o corpo e o solo durante a corrida, e suas funções vão muito além de proteger os pés. Um tênis inadequado pode alterar a dinâmica da pisada, sobrecarregar tendões e articulações, e comprometer a distribuição do impacto. Aqui estão alguns exemplos de como o calçado pode contribuir para tendinites e outros problemas:
Amortecimento insuficiente ou excessivo
Tênis com pouco amortecimento podem aumentar o impacto sobre os tendões e articulações, causando microtraumas que, com o tempo, evoluem para inflamações. Por outro lado, um amortecimento excessivo pode mascarar a percepção do solo, promovendo pisadas instáveis ou desalinhadas. O segredo está no equilíbrio: encontrar um tênis que absorva o impacto sem interferir na biomecânica natural da corrida.
Falta de suporte adequado
O suporte inadequado ao arco do pé é um dos maiores causadores de lesões como a tendinite tibial. Pessoas com pés planos (arco baixo) ou com arcos muito altos precisam de modelos específicos que respeitem a anatomia individual. Ignorar essa necessidade pode levar à sobrecarga de músculos e tendões, prejudicando a mobilidade e aumentando o risco de inflamações.
Desgaste do calçado
Com o uso contínuo, os tênis perdem suas propriedades de amortecimento e estabilidade. Isso é especialmente crítico para corredores que mantêm uma rotina intensa e não monitoram o desgaste do solado e da entressola. Um calçado desgastado pode não distribuir o impacto de forma uniforme, aumentando o estresse em regiões específicas como joelhos, tornozelos e calcanhares.
Modelo inadequado para o tipo de pisada
Cada pessoa tem um tipo de pisada – neutra, pronada (pé inclina para dentro) ou supinada (pé inclina para fora) – e usar um tênis que não seja compatível pode comprometer a distribuição de forças durante a corrida. Além das tendinites, esse erro pode desencadear problemas como dores lombares e lesões na fáscia plantar ou nos meniscos.
Falta de ventilação e conforto
Poucos falam disso, mas um tênis com má ventilação ou material rígido pode provocar desconforto térmico e atritos que resultam em bolhas, calos e inflamações, forçando o corredor a alterar a pisada de forma inconsciente para aliviar a dor — o que impacta diretamente a musculatura e os tendões.
Como escolher o tênis certo para evitar tendinites e lesões?
Selecionar o tênis correto requer atenção a detalhes influenciam diretamente na prevenção de lesões. Siga este passo a passo para garantir uma escolha adequada:
Identifique o seu tipo de pisada
O primeiro passo é conhecer o seu tipo de pisada (batemos sempre nessa tecla). Lojas especializadas costumam oferecer testes rápidos que analisam como o pé toca o solo durante a corrida. Esse conhecimento é essencial para escolher um modelo que ofereça suporte ideal e distribua o impacto de forma equilibrada.
Priorize o conforto e ajuste
Certifique-se de que o tênis se ajusta bem ao seu pé, sem apertar ou ficar muito folgado. Um bom ajuste reduz atritos e evita movimentos indesejados que podem sobrecarregar os tendões. O ideal é experimentar o tênis no fim do dia, quando os pés estão mais inchados, simulando a condição após uma corrida.
Escolha o amortecimento adequado ao seu perfil
Pessoas mais pesadas precisam de maior amortecimento para absorver o impacto, enquanto corredores mais leves podem optar por modelos com amortecimento moderado. O tipo de solo em que você corre também influencia: asfalto exige mais absorção, enquanto trilhas demandam estabilidade e tração.
Verifique a estabilidade do calçado
Tênis com sistemas de estabilidade são ideais para quem tem pisada pronada ou supinada. Esses modelos ajudam a alinhar o pé durante o movimento, prevenindo sobrecargas. Para corredores iniciantes, que ainda não têm total consciência corporal durante a corrida, esse suporte pode ser decisivo para evitar lesões precoces.
Considere o tipo de terreno
Se você corre em trilhas, asfalto ou esteira, escolha um tênis apropriado para cada tipo de superfície. Solados com boa tração e aderência são fundamentais para garantir segurança. Um tênis inadequado para trilha, por exemplo, pode escorregar com facilidade, aumentando o risco de torções e quedas.
Substitua o tênis regularmente
Como regra geral, os tênis devem ser trocados após 500 a 800 km de uso, dependendo da frequência e intensidade dos treinos. Uma dica útil é registrar a quilometragem dos tênis ou utilizar aplicativos que acompanham o tempo de uso. Não espere o tênis “acabar” visualmente para trocá-lo.
Dicas adicionais para prevenir tendinites e outras lesões
A escolha do tênis certo é uma das principais formas de prevenção contra tendinites, mas ela deve ser parte de um conjunto de estratégias de autocuidado e preparação física. Quando essas ações são adotadas de maneira integrada, o risco de lesões se reduz drasticamente. Veja abaixo outras recomendações valiosas para corredores — especialmente iniciantes — que desejam manter a prática segura e livre de dores:
Fortalecimento muscular direcionado
O fortalecimento da musculatura envolvida na corrida, como panturrilhas, quadríceps, isquiotibiais, glúteos e core, melhora a estabilidade articular e reduz o estresse nos tendões. Exercícios com peso corporal, elásticos ou mesmo musculação orientada podem ser incluídos duas a três vezes por semana. O fortalecimento específico dos tornozelos e pés também é essencial, já que essas estruturas são responsáveis por absorver o impacto inicial da passada.
Mobilidade e alongamentos funcionais
Antes de correr, é recomendável realizar movimentos de mobilidade articular e ativação muscular (como balançar as pernas, fazer círculos com os tornozelos e exercícios de skipping). Já o alongamento estático é mais indicado após os treinos, contribuindo para relaxar a musculatura e manter a flexibilidade dos grupos musculares envolvidos. A rigidez excessiva em músculos como o gastrocnêmio (panturrilha) pode aumentar a tensão sobre o tendão de Aquiles, por exemplo.
Planejamento e progressão dos treinos
O corpo precisa de tempo para se adaptar às novas cargas. Evite aumentar o volume ou a intensidade dos treinos de forma abrupta. Uma regra prática é seguir a “regra dos 10%”: aumentar no máximo 10% do volume total por semana. Iniciantes devem evitar correr todos os dias; intercalar treinos com dias de descanso ou com atividades de menor impacto, como bicicleta ou natação, pode ser benéfico.
Recuperação ativa e sono de qualidade
Dormir bem e garantir períodos adequados de recuperação é tão importante quanto treinar. É durante o sono que os tecidos se regeneram e os processos inflamatórios se resolvem. Técnicas como massagem, banhos de contraste e uso de rolos de liberação miofascial (foam rollers) também ajudam na recuperação muscular e tendínea.
Escute o seu corpo
Dor persistente nunca deve ser ignorada. Aprenda a diferenciar o desconforto muscular normal de pós-treino da dor que indica lesão. Se notar dor aguda, inflamação ou perda de função, interrompa os treinos e procure um profissional de saúde. Quanto mais precoce for a intervenção, mais rápido será o retorno seguro às atividades.
Consulte um especialista quando necessário
Se você já sofreu com tendinite ou sente que algo não está certo durante a corrida, uma avaliação com fisioterapeuta especializado em corrida ou médico do esporte pode ajudar. Eles poderão avaliar a biomecânica, sugerir correções de postura, indicar palmilhas personalizadas ou mesmo ajustar sua rotina de treinos.
Cuidar da saúde durante a corrida é essencial para garantir longevidade no esporte e evitar interrupções causadas por lesões. O tênis certo desempenha um papel fundamental nesse processo, proporcionando suporte, amortecimento e estabilidade. Além disso, a combinação de conhecimento, prevenção e boas práticas fará toda a diferença na sua jornada como corredor. Escolha com sabedoria, cuide do seu corpo e desfrute dos benefícios da corrida com segurança.